Os magos do oriente, 2.1-12
1 Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis
que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém.
As palavras em dias do rei
Herodes expressavam a essência da crueldade e terror. O cognome histórico
Herodes magno talvez pudesse ser interpretado como sendo Herodes o grande, não
na condução dos negócios do Estado, e sim como egoísta, trapaceiro, assassino,
tirano e criminoso. De origem ele era um idumeu grosseiro, que ganhava o pão
pela espada e que não queria parar de odiar Israel. A dinastia heróica dos
macabeus foi destronada por ele. Fez execut ar pelo imperador em Roma o último
macabeu, Antígono. Depois conquistou, com a ajuda dos romanos (i. é, dos
inimigos da pátria), a cidade de Jerusalém, causando dentro dela um horrível
banho de sangue. Depois assassinou seus rivais um após o outro. O povo judeu
odiava-o profundamente. De fato, parecia ter chegado o tempo em que o cetro era
afastado de Judá. Parecia que a bênção de Jacó seria totalmente convertida em
maldição, e Israel iria ao encontro de sua ruína definitiva…
Essa descrição é suficiente para
ilustrar para nós a breve e tão carregada frase em dias do rei Herodes.
Eis que vieram uns magos. Assim
como em 1.20 o anjo foi anunciado com um “eis”, também os magos são
apresentados com um “eis”. Aqui como lá a intenção é indicar surpresa. Era algo
inusitado que pagãos, os quais perante os judeus não valiam nada, de repente
ocupassem a cena!
Sua pátria era a região entre os
rios Eufrates e Tigre. Lá, no reino dos babilônios, se praticava com especial
dedicação a astrologia! – Desde o exílio babilônico (6 séculos antes), o grupo
remanescente de judeus (chamados de judeus da diáspora) provavelmente
constituía um grupo influente do reino da Babilônia! Esses judeus na diáspora
não se limitavam a levar uma vida isolada no silêncio, mas empenhavam-se
assiduamente em fazer propaganda de sua religião!
Citemos apenas um exemplo:
Daniel! Sobre sua influência marcante no mundo babilônico veja Dn 2.48; 5.11.
Será que, nessa posição influente, Daniel não teria falado repetidamente do
Deus único e do rei vindouro? Creio que sim! A notícia do nascimento de um rei
que estava para vir também era conhecida no mundo pagão!
Uma caravana como o séquito dos
magos não é um caso isolado. O escritor judaico Josefo relata a peregrinação de
Helena, mãe de um príncipe babilônico, até Jerusalém! Esse príncipe pagão
converteu-se ao judaísmo com toda a sua casa. O acontecimento deu-se cerca de
40 a 50 anos após a nossa história dos “magos do Oriente”!
2 E perguntavam: Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? Porque vimos
a sua estrela no Oriente (na Anatólia) e viemos para adorá-lo.
A tradução usual “o recém-nascido
rei” dá ocasião para enganos, pois induz sempre de novo à suposição de que a
história dos “magos” teria acontecido imediatamente após o nascimento de Jesus.
Há, no entanto, um decurso de
tempo de um a dois anos entre a história de Belém e a “adoração dos magos”. No
v. 16 lemos: “Mandou matar todos os meninos […] de dois anos para baixo…” Além
disso, Maria não vivia mais com o menino Jesus naquela estrebaria do Natal, à
qual chegaram apressadamente os pastores, mas tinha encontrado um abrigo numa
casa depois que as multidões afluídas a Belém por causa do “recenseamento”
haviam retornado para suas terras. O v. 11 fala expressamente de uma casa em
que se encontrava o menino Jesus. – Todos os desenhos que retratam os magos
numa estrebaria não são biblicamente corretos.
A pergunta dos magos: Onde está o
recém-nascido Rei dos judeus? É formulada de modo tipicamente pagão! Os magos
não indagam pelo nascido Cristo, e sim pelo “rei dos judeus”. Cf. a inscrição
na cruz. “Judeus”, é assim que falam os pagãos. Com as palavras: “Vimos a sua
estrela”, eles se apresentam em Jerusalém.
Não poderíamos considerar essa
história da “estrela sobre a casa de Belém” como uma prova da unidade entre
criação e Criador? As épocas grandiosas na história do reino de Deus sempre
foram acompanhadas por acontecimentos no âmbito da terra e das estrelas.
Os magos dizem: Viemos adorá-lo.
– No texto original essa palavra significa: ajoelhar-se e tocar com a testa na
terra. Quem se curva dessa maneira declara sua total sujeição à pessoa honrada.
Por isso, traduzir com “venerar” seria tecnicamente melhor do que “adorar”.
3 Tendo ouvido isso, alarmou-se o rei Herodes, e, com ele, toda a
Jerusalém;
Os magos experimentam uma grande
decepção. Não apenas que ninguém, a quem perguntam, sabe algo do rei dos judeus,
que foi nascido, mas também que sua pergunta contente causa susto e medo em
todas as faces. Toda Jerusalém ficou alvoroçada, porque se temia um novo banho
de sangue do desconfiado e furioso Herodes. Um historiador destaca a seguinte
situação: Pouco antes de os magos terem chegado, alguns fariseus fanáticos
teriam profetizado a uma parente de Herodes que o descendente dela receberia a
honra de rei e Herodes perder ia o trono. Diante disso, Herodes, resoluto,
mandou executar esses fariseus! Instintivamente perguntamos: Será que Herodes
também não poderia simplesmente ter mandado matar os “magos”? Com certeza essa
pergunta foi levantada.
Mas cremos que Herodes foi muito
astuto para fazê-lo. Primeiro auscultar os magos… mais tarde talvez
assassiná-los.
4 … então, convocando todos os principais sacerdotes e escribas do
povo, indagava deles onde o Cristo deveria nascer.
“Convocou a todos” é, no texto
original, a fórmula técnica para a
convocação do conselho. Reúne-se o Sinédrio (i. é, o supremo conselho, cf. opr).
O termo “todos” demonstra que o Sinédrio tinha de comparecer completo. E todos
os conselheiros compareceram.
São mencionados dois grupos:
• Os chefes dos sacerdotes, os
arqui-sacerdotes (no texto original uma formulação semelhante ao conhecido
“arcebispo”, o bispo presidente de uma região);
• Os escribas do povo. São
designados “do povo” porque compareciam à assembleia por força do encargo que
receberam do povo.
Esses dois grupos de autoridades
eram convocados sempre que havia necessidade de tomar uma importante decisão
teológica. A pergunta teológica agora era: Onde vai nascer o Cristo? Da forma
grega do verbo, que está no tempo imperfeito, pode-se depreender acertadamente
que Herodes repete sempre de novo as suas perguntas, para descobrir com exatidão
qual é a opinião predominante nessa questão tão extremamente vital para ele.
5,6 Em Belém da Judéia, responderam eles, porque assim está escrito por
intermédio do profeta: E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor
entre as principais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar a
meu povo, Israel.
A enfática negação não és de modo
algum explica a profecia a partir de seu cumprimento. Agora que nasceu o
Cristo, Mateus não pensa mais na pouca importância da pequena Belém, mas sim no
grande e glorioso fulgor que lhe foi concedido pelo nascimento do Cristo.
A frase o qual apascentará o meu
povo, Israel (cf. Schlatter) não provém de Miquéias 5.1,3, mas Mateus retirou
essa palavra de 2 Sm 5.2. Lá consta: “Tu apascentarás o meu povo de Israel”. O
termo “apascentar” é expressão de “governar”. “Pastor” é frequentemente usado
para “soberano” (Jr 23.1ss; Ez 34; 2Sm 7.7 etc.).
7,8 Com isto, Herodes, tendo chamado secretamente os magos, inquiriu
deles com precisão quanto ao tempo em que a estrela aparecera. E, enviando-os a
Belém, disse-lhes: Ide informar-vos cuidadosamente a respeito do menino; e,
quando o tiverdes encontrado, avisai-me, para eu também ir adorá-lo.
Informado sobre o local, Herodes
tenta descobrir, com a ajuda dos magos, também a época do nascimento do temido
novo rei dos judeus. Contudo, para que, de forma alguma, a cidade soubesse do
grande interesse que ele tinha pela criança, solicita que os magos venham até
ele secretamente.
Quer saber tudo com exatidão,
para daí estabelecer suas determinações! Estava firmemente decidido a sufocar
na raiz qualquer movimento messiânico. Como mestre na arte da dissimulação,
fingia interesse religioso diante dos magos.
9 Depois de ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela que viram no
Oriente os precedia, até que, chegando, parou (no alto, sobre o local) sobre
onde estava o menino.
Os magos viajavam à noite! No
Oriente costuma-se viajar à noite. Puseram-se a caminho logo que foram
dispensados do palácio do tirano, para o qual ele os certamente chamou à noite.
Ou seja, viajaram na mesma noite! Esse caminho noturno de 2 horas (Belém
distava 8 km de Jerusalém) talvez tenha sido no começo bastante angustiante.
Pois as impressões que colheram em Jerusalém devem ter pesado sobre suas almas.
Como devem ter sido grandes as suas expectativas quando chegaram a Jerusalém.
Nessa capital real esperavam encontrar aquilo que tinha sido o ardente desejo
de sua árdua e dispendiosa viagem. – E como pode ter sido amarga sua decepção
quando tiveram de experimentar ali uma recepção inesperadamente estranha e
fria. Sim, sua pergunta pelo r ei nascido dos judeus em toda parte havia
causado tão somente horror.
Tanto mais fácil compreendemos o
que diz o v. 10:
10 E, vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo.
Com uma alegria descrita por
Mateus com as expressões mais fortes, eles exultam com a mesma estrela que já
haviam visto em sua terra. A palavrinha “eis” no v. 9 expressa mais uma vez,
como sempre, a surpresa! Extremamente felizes, após as decepções em Jerusalém,
seguiram o seu caminho. A forte ênfase na alegria permite inferir a anterior
aflição de seus corações.
11 Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se,
o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro,
incenso e mirra.
É curioso que não se menciona
José. Talvez porque neste momento não tenha sido imprescindível mencioná-lo.
Maria é mencionada porque estava numa relação singular e única com o menino
Jesus.
– É interessante que neste cap. 2
se usa 4 vezes a palavra “criancinha”, enquanto Lucas emprega o termo “criança
recém-nascida”, “lactente”. Também aqui se conclui o que afirmamos antes em
relação ao v. 2, que entre o Natal e a visita dos magos devem ter transcorrido
quase 2 anos.
Pelo costume do Oriente
combina-se a veneração com a oferta de presentes. Os presentes ouro e incenso
remetem a Is 60.6.
Alguns pais apostólicos depositam
um grande significado simbólico nos três presentes dos magos.
O ouro destina-se ao menino Jesus
enquanto rei. O incenso é presenteado ao menino Jesus pelo fato de ser ele o
Deus a ser adorado. A mirra, de gosto amargo, foi oferecido ao menino Jesus
como aquele que, como Redentor, um dia haveria de provar a amarga morte na
cruz. Assim dizem alguns deles. – No século V a interpretação da igreja antiga
concluiu do número de 3 presentes que os magos devem ter sido três reis. No
século VIII também se sabia os nomes desses reis, quais sejam, Gaspar, Melquior
e Baltazar. Em seguida pensava-se que os três magos significavam as três
famílias de povos: Sem, Cam e Jafé. – De tudo isso o evangelho de Mateus não
tem conhecimento algum.
12 Sendo por divina advertência prevenidos em sonho para não voltarem à
presença de Herodes, regressaram (forçados e constrangidos) por outro caminho a
sua terra.
Os magos são protegidos do perigo
de serem usados como espiões para a fúria assassina do homicida múltiplo
Herodes.
O próprio Deus mais uma vez
interveio. A instrução celestial pelo sonho indica que já agora, com a chegada
do Senhor, caiu a barreira entre judaísmo e paganismo. Deus estabelece contato
direto com os pagãos. E os magos obedecem à voz de Deus. Com certeza retornaram
ainda na mesma noite à sua terra.
De que modo maravilhoso o
primeiro evangelho do NT descreve como já agora são convocadas primícias dentre
os pagãos (cf. a Introdução a Mt). Por isso, com grande gratidão a Deus que
enviou seu Filho também aos pagãos, os cristãos celebram a memória dos magos na
festa de Epifânia (6 de janeiro), que significa a aparecimento de Cristo no
mundo pagão!
Fonte:
Mateus - Comentário Esperança
Esse estudo sobre o nascimento de Jesus é de uma extrema importância. Muito esclarecedor. Inclusive, muito de minhas dúvidas foram esclarecidas. Que continue lhe usando na sua palavra e abençoando com muitos conhecimentos.
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