O grande discurso de envio dos discípulos, Mt 10.5-42
A 1ª incumbência: Ir
somente às ovelhas perdidas da casa de Israel
5,6 A estes doze enviou Jesus,
dando-lhes as seguintes instruções: Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em
cidade de samaritanos; mas, de preferência, procurai as ovelhas perdidas da
casa de Israel.
Primeiramente o Senhor delimita a
área de trabalho. Ele dá instruções rigorosas para que não fossem nem às
cidades dos gentios nem dos samaritanos! As cidades dos samaritanos eram colocadas
pelos judeus daquele tempo no mesmo nível das cidades gentílicas. – Apesar
dessa delimitação restrita da tarefa neste cap. 10, a idéia da missão aos
gentios persiste claramente por todo o evangelho de Mateus (cf. 2.1-12; 3.9;
8.11ss; 12.18; 21.43; 22.7-14; 24.14).
É impressionante como o Senhor se
esforçou em demonstrar, também por meio dessa instrução aos discípulos, o
quanto ele ama o seu povo! Como deve ter sido dolorosa para ele a rejeição
geral do povo e o ódio dos fariseus!
Duas imagens são mescladas no v.
6. É a figura da casa de Israel e depois a das ovelhas perdidas de Israel. Quem
são as ovelhas perdidas de Israel? De acordo com 9.13, são os publicanos e
pecadores.
Portanto, os discípulos não estão
sendo enviados aos justos, aos “sãos”, e sim aos “doentes”, aos espiritualmente
enfermos, que necessitam do médico e Salvador.
De acordo com 9.36, as ovelhas
perdidas da casa de Israel são todo o povo de Israel. Contudo, com certeza
nessa visão estão excluídos os fariseus e escribas.
A 2ª incumbência: Pregar o evangelho do reino dos céus
7 E, à medida que seguirdes, pregai que está próximo o reino dos céus.
Eles irão dar testemunho da
proximidade do reino dos céus. O tempo de salvação está irrompendo,
é preciso converter-se. É o
chamado do próprio Jesus, que os apóstolos, como substitutos dele,
devem repetir agora! A palavra da
comunidade é a palavra do próprio Jesus. Mesmo que o chamado
à conversão não seja mencionado
expressamente, ele permanece a partir do que foi dito
anteriormente (no sermão do
Monte), que unicamente a meia volta constitui a porta de entrada ao
reino dos céus. Mc 6.12 o declara expressamente: “Saíram pregando ao
povo que se arrependesse”.
A 3ª incumbência: Curar enfermos
8 Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli
demônios; de graça recebestes, de graça dai.
O envio dos doze abrange duas
dimensões. A primeira está no v. 7. É o anúncio (kérygma). A
segunda está no v. 8. É o cuidado
pelos outros. Ou seja, pregar o reino dos céus é servir e ajudar.
Ajudar com a palavra e com ação,
são estes os dois lados do envio (é à atuação do próprio Jesus qu e
os discípulos devem dar
continuidade).
O envio autêntico, a fé autêntica
sempre tem duas mãos. A mão direita traz a palavra – a mão
esquerda o amor; a mão direita o
pão da vida, a mão esquerda o pão de cada dia.
A 4ª incumbência: Fazê-lo de graça
9 Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos
cintos.
O que é o cinto? O cinto não
servia apenas para afixar a túnica e a capa, mas também para guardar
dinheiro e demais objetos de
valor. Às vezes o cinto era até chamado de “sacola do dinheiro”.
O discípulo não apenas é
orientado a não exigir recompensa nem pagamento pelo seu serviço de
anúncio e de ajuda pela cura, mas
também a nem mesmo aceitar presentes. O
judeu piedoso tinha
grande disposição para dar.
Presenteava com alegria e generosamente. O templo estava repleto de
presentes, e os principais
sacerdotes, os arqui-sacerdotes, enriqueciam pelos presentes volumosos e
preciosos. A exigência de Jesus é
que o discípulo permaneça pobre e modesto. Não pode tirar
vantagens para si do trabalho no
reino de Deus. Aqui se faz uma correlação com aquele perigo
mencionado na primeira tentação
de Jesus em Mt 4, o perigo de que se misturem o egoísmo e o
trabalho no reino de Deus.
A 5ª incumbência: Não fazer preparativos de viagem
10 Nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias
nem de bordão;
porque digno é o trabalhador do seu alimento.
De modo vivo Jesus passa a
mencionar todo o equipamento de um viajante. A palavra grega péra
designa a bolsa do pastor ou do
peregrino. Um peregrino religioso do povo judeu sempre trazia
consigo um cajado, uma bolsa ou
sacola – e o livro da Torá.
A instrução não providenciem uma
bolsa para o caminho quer expressar: “Não façam
preparativos como geralmente são
feitos antes de uma viagem. Não comprem primeiro uma sacola de
viagem, mas vão assim como vocês
estão”. Também as demais instruções, não
providenciem duas
túnicas, nem sandálias, nem um
cajado, querem expressar que nenhuma dessas coisas deve ser
comprada. Os discípulos devem
sair assim como estão!
Entretanto, as palavras de Jesus
não podem ser entendidas como se os discípulos devessem sair, p.
ex., sem túnicas, sem sandálias e
sem cajado. Ao contrário, aquilo que os discípulos já possuem, isso
eles devem usar e vestir, mas não
devem fazer novas aquisições.
Em relação à túnica, é preciso
dizer que o homem comum usava apenas uma túnica debaixo do
manto (ou da capa). Como já vimos
em Mt 6.34, a capa servia à noite como coberta, pois não se
usava camas. Uma esteira
estendida para a noite era o “leito inferior”. O manto ou a capa constituía a
“cama superior”. A túnica ou roupa de baixo era uma camisa muito longa de lã ou
linho, provida de mangas e amarrada com um cinto. Pessoas melhor situadas
usavam debaixo da túnica uma segunda
veste, a camisa propriamente
dita, de linho (mulheres vaidosas usavam de 3 a 6 camisas).
Todas essas instruções de Jesus
no v. 10, os discípulos podiam observar diariamente no exemplo
de Jesus. A resposta dos
apóstolos em Lc 22.35: “Jesus lhes perguntou: Quando vos enviei sem
bolsa, sem alforje e sem
sandálias, faltou-vos, porventura, alguma coisa? Jamais! disseram eles”,
comprova que o Senhor
providenciou fielmente tudo de que necessitavam.
Apesar de não poder aceitar nem
pagamento nem presentes, o trabalhador deve ser digno de
receber comida! Sustentar os
servos da palavra é um dever indispensável.
A 6ª incumbência: Escolher as residências como seus centros
missionários
11-13 E em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, indagai quem
neles é digno; e aí ficai até vos retirardes. Ao entrardes na casa, saudai-a;
se, com efeito, a casa for digna, venha sobre ela a vossa paz; se, porém, não o
for, volte para vós a vossa paz.
Os discípulos farão duas
experiências: Sua mensagem experimentará ou aceitação ou rejeição.
Neutralidade não existe! Onde ela
for aceita, eles saberão que estão trazendo a paz, paz verdadeira e
real, sobre a casa.
O v. 13a fala da possibilidade da
aceitação. Quando os pregadores da “palavra” obtiveram acesso
a uma casa, devem permanecer
nessa casa e torná-la o ponto de partida para seu trabalho em favor do Senhor.
O ponto de partida de todo trabalho para o Senhor é a casa, a família.
A 7ª incumbência: Não sendo recebidos, sacudir o pó dos seus pés
14 Se alguém não vos receber, nem ouvir as vossas palavras, ao sairdes
daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés.
Este versículo falam da
possibilidade de uma negativa. O evangelho não quer se impor. Como
uma força elástica, ele penetra
onde encontra aceitação e decisão, e se retrai onde é rejeitado. O
próprio Jesus experimentou isso
durante seu ministério de ensino, e também agiu de acordo com essa
experiência (Lc 8.37; Jo 3.22).
Quando os judeus retornavam de
países gentios para a terra prometida, costumavam sacudir o pó
de seus pés na fronteira. O gesto
significava romper com toda a comunhão com o mundo descrente e
gentílico. Os apóstolos devem
fazer o mesmo diante de seus conterrâneos nas cidades, que recusam
sua pregação. Devem sacudir até
mesmo a poeira, o que há de mais ínfimo. Com esse gesto devem
declarar que não têm nada a ver
com o destino que espera essa gente.
15 Em verdade vos digo que menos rigor haverá para Sodoma e Gomorra, no
Dia do Juízo, do
que para aquela cidade.
Uma palavra muito dura. Não será
dura demais?
Não, Jesus sabia o que estava
dizendo. “A quem muito foi dado, muito lhe será exigido” (Lc
12.48). Os moradores das cidades
de Israel conhecem o AT. Portanto, foi -lhes dado muito mais que
aos moradores de Sodoma e
Gomorra. Ademais, tinham experimentado o próprio Jesus em seus
milagres e suas pregações
impressionantes e ainda podiam experimentar os apóstolos de Jesus como
amáveis visitantes em suas
próprias casas. Como foram extremamente ricas, portanto, as
oportunidades que tiveram! E a
resposta? Desprezaram o chamado de Jesus e de seus apóstolos.
Como é incompreensível a maldade
de uma atitude dessas! Por terem repudiado a maior oferta
pessoal da graça trazida por
Jesus e seus apóstolos, a graça se transformará para eles em terrível
condenação. Pois a quem muito foi
dado, muito lhe será exigido.
Chegamos ao final do breve estudo
das sete incumbências de Jesus aos doze, referentes à sua
primeira atividade missionária
dentro do povo de Israel. Por trás da simplicidade e pobreza desses
primeiros mensageiros não está
uma pobreza intencional de mendigos, e sim a simplicidade e
modéstia daquele que aprendeu a
confiar irrestritamente em Deus em todas as situações. Ele (o
Senhor), que envia pessoalmente
seus trabalhadores para a “colheita”, cuidará deles no serviço! O
chamado de Jesus para a
simplicidade e modéstia tem o objetivo de impedir quaisquer intenções
egoístas secundárias, quaisquer desejos
materialistas e qualquer apoio demasiado
em recursos
naturais. Sua confiança deve
residir unicamente no Senhor da seara, Jesus Cristo.
Também em outros aspectos a
maneira como os doze devem exercer a missão tem um sentido
profundo. Devem iniciar no
pequeno, nas pessoas individualmente, nas casas particulares, não em
público, p. ex. na sinagoga. É
esse início nas coisas pequenas e escondidas que deve caracterizar o
primeiro envio dos doze! A
família, a casa deve ser o ponto de partida do empreendimento. O reino
de Deus sempre inicia no oculto,
pequeno, insignificante!
A saudação paz venha sobre
vocês não será uma fórmula vazia, mas
significará poder. Será um
precioso presente, que se tornará
uma profunda e maravilhosa propriedade daqueles que se abrem a
essa saudação!
Certamente Jesus pronunciou
muitas vezes essa saudação: “Paz seja contigo”. Ele a expressou
como dádiva de bênção, que se
cumprirá para aqueles que receberem a Jesus.
A palavra “paz” é adequada para
resumir em um só termo a plenitude daquilo que Deus quer ser e
dar a nós seres humanos!
No entanto, Deus dá a sua paz
para que a pessoa presenteada irradie a paz divina, que é maior que
todo entendimento sobre a terra,
para dentro do mundo sem paz. A saudação da paz t ambém quer
dizer que a pessoa não apenas se
mostre ela própria como uma pessoa de paz, e sim que revigore
outros com a paz recebida do
alto.
b. A 2ª parte do grande discurso
de envio de Jesus (cf. 24.9-14; Mc 13.9-13; Lc 12.11s; 21.12-19)
A. As sete palavras de estímulo
para os sofrimentos na perseguição durante a atividade missionária
posterior, introduzidas por uma
tríplices forma de ódio: ódio em geral; ódio das autoridades; ódio
da família.
O ódio em geral: O ódio no contato com os de fora e sua resposta
16 Eis que eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede,
portanto, prudentes como as
serpentes e símplices como as pombas.
O texto original grego traz a
palavra “eu” enfatizada. Ou seja: “Cuidado, eu, eu pessoalmente
estou enviando vocês como
ovelhas…” O Senhor disse sem rodeios que é ele quem faz isso.
Indefesos, os discípulos precisam
mover-se num contexto que é cheio de rapina, maldade e infâmia e
quer destruí-los. Os apóstolos
devem enfrentar os seus inimigos não com a força dos punhos ou da
espada, nem com a arma da palavra
agitada e sem espiritualidade. Eles devem ir ao encontro da
malícia e vileza das pessoas com
pureza e sabedoria! Cabe evitar toda artimanha ou diplomacia, toda
astúcia e esperteza humanas, todo
manquejar em ambos os lados (1Rs 18.21),
todo consentimento em
“contemporizar e fazer
concessões”!
A situação perigosa dos
discípulos enquanto ovelhas no meio dos lobos e seu comportamento
numa realidade dessas são
ilustrados simbolicamente por Jesus no v. 16 pelas figuras “da ovelha e do
lobo” e no v. 17 pelas figuras da
“serpente e pomba”.
O envio, por conseguinte, não
será um empreendimento agradável e fácil, mas cheio de perigos
para o corpo e a vida. Que figura
assustadora: uma ovelha no meio de lobos! A verdade desse fato
muitas vezes não foi
suficientemente considerada pelos mensageiros de Cristo, ou seja, que essa
figura “ovelha no meio de lobos”
não constitui sua condição anormal, e sim a condição normal. Vale,
nessa situação, não colocar ódio
contra ódio, violência contra violência, e sim “o alegre martírio”.
“Aqui está a perseverança e a
fidelidade dos santos” (Ap 13.10). A palavra de Jesus Eu vos envio
tem um significado
extraordinário.
As figuras da “serpente e pomba”
são diferentes das primeiras, da ovelha e do lobo. Em que
aspectos? “Ovelha” designava o
apóstolo, “lobo” apontava para o
inimigo. Na segunda imagem,
“serpente e pomba”, ambas as
metáforas se referem à mesma pessoa, a saber o apóstolo. O enviado
de Jesus necessita de sabedoria
para descobrir sempre de no vo o que é correto no meio de todas as
situações difíceis, e para ir
adequadamente ao encontro das pessoas. Essa sabedoria, porém, precisa
vir acompanhada de pureza,
sinceridade e retidão, para que não aconteça nada que possa tornar -se
motivo de uma acusação
justificada por parte dos inimigos. Pois os enviados de Jesus estão no meio
de adversários duros, que não têm
escrúpulos, que caem impiedosamente sobre os apóstolos sempre
que haja um pequeno motivo para
isso. Por isso é preciso, como fazem as serpentes, fixar firmemente
os olhos no adversário, avaliar a
situação com olho vivo e pensamento sóbrio e, em seguida,
permanecer senhor da situação sem
astúcia ou táticas mentirosas, mas com pureza e verdade em
todos os atos e palavras, ou
seja, demonstrando um modo de agir de pombas.
Prudência e sinceridade trazem
consigo a verdadeira sabedoria. A prudência que é usada como
tática, i. é, que dissipa um
pouco a divisa entre verdade e mentira e que por causa da finalidade
santifica o meio, mesmo que não
seja um meio bem correto – tal prudência transformada numa tática dessas, não é
prudência bíblica, ela é unilateralmente apenas um modo de agir de serpente. É
necessário que se acrescente a
retidão do modo de agir das pombas! Portanto, Jesus quer uma
sabedoria com a qual não nos
manchamos (não tática, não diplomacia, não política, não
contemporizar) e Jesus quer uma
pureza com a qual não oneramos nosso serviço (isso aconteceria se
mostrássemos uma honestidade não
sábia e abríssemos nosso coração sem cautela, de modo que não
visaríamos tirar do caminho as
dificuldades). Em outras palavras: a singela confiança na ajuda de
Deus não exclui a prudente
cautela diante das pessoas.
O ódio no contato com as autoridades e sua resposta
(cf. Mt 24.9-14; Mc 13.9-13; Lc 21.12-17)
a. A autoridade judaica
17 E acautelai-vos dos homens; porque vos entregarão aos tribunais e
vos açoitarão nas suas
sinagogas.
Cuidem-se das pessoas! É ao mesmo
tempo marcante e comovente que o mesmo Senhor q ue
envia seus apóstolos às pessoas,
no mesmo instante também os previne diante das pessoas. “Cuidem-se das
pessoas!” Tenham cautela com eles! É uma palavra séria para os mensageiros
enviados às
pessoas. Uma palavra que os faz
andar seu caminho solitários. Uma palavra que os lança
integralmente sobre o Senhor que
os incumbiu. Somente porque ele é o que os incumbe e envia, eles
são capazes de carregar o peso e
a responsabilidade de sua missão, e também suportar que o socorro
deles está somente em Deus e não
nas pessoas. “Tenham cuidado com as pessoas.” Ainda hoje é
preciso observar com seriedade
essa palavra de Jesus. Todo sentimentalismo, toda facilidade de
confiar cegamente, toda
insinuação e lisonjeio com emocionalismo são negativos. O enfeite do
cristão é a “hombridade”!
É muito importante essa palavra:
Cuidem-se das pessoas! Sejam cautelosos! Ela é muito pouco
observada. Apesar da coragem de
testemunhar, a ordem é ter cautela! Somos lembrados de Ef 5.15:
“Andem cuidadosamente (de modo
correto e exato), não como néscios, mas como sábios”.
Perseguição e tribunais esperam
pelos mensageiros. Todos os meios de poder que estão à
disposição dos judeus serão
utilizados para a condenação dos apóstolos! Os “tribunais” referem-se
aos júris locais dos judeus. Ao
lado do grande Sinédrio, composto de 71 membros (veja detalhes no
cap. 4, observação preliminar)
havia nas cidades com no mínimo 120 habitantes adultos tribunais
menores, compostos de 23 membros.
No v. 17 está se pensando nesses tribunais menores locais dos
judeus. A forma plural de
“sinédrio” (grego synedria) também indica para essa acepção.
A sentença desses tribunais
locais sobre os discípulos será: açoitamento. At 22.19 demonstra que,
de fato, isso foi executado.
Paulo, ex-perseguidor de cristãos, defende-se diante do povo judeu em
Jerusalém com as seguintes
palavras: “Eles [os judeus] bem sabem que eu encerrava em prisão e, nas
sinagogas, açoitava os que criam
em ti [Jesus]!” De acordo com 2Co 11.24, Paulo afirma de si que:
“Cinco vezes recebi dos judeus
uma quarentena de açoites menos um”. Quanto aos “açoites na
sinagoga” cf. ainda Mt 23.34; Mc
13.9; At 22.19; 26.11. Esse “açoitamento na sinagoga” deve ser
distinguido do “açoites
oficiais”, executados pelos romanos, muito mais cruéis, que iniciavam o
processo de crucificação e foram
aplicados em Jesus (cf. o exposto sobre Mt 27.26).
O “açoitamento na sinagoga” era
um castigo não muito raro e muito degradável. A pessoas
precisava inclinar-se sobre uma
coluna (de cerca de 1 metro de altura), em cujos lados eram atadas as suas
mãos. Como chicote usava-se uma correia, confeccionada com 4 tiras de couro, e
da largura de uma mão, com a qual o servidor da sinagoga aplicava 39
chibatadas, das quais um terço sobre o peito e dois terços sobre o dorso.
Contudo, a pessoa a ser castigada precisava ser observada primeiro, para ver se
suportaria ou não esse número de açoites. Se não pudesse suportá-los, o número
de pancadas era diminuído. Um série de transgressões eram castigadas dessa
maneira: diversos pecados morais, e também quem comeu comida impura, ou carne
não cortada de acordo com os ritos, ou
algo de que não se ofertou o dízimo, quem comeu pão fermentado na festa
do passá, ou quem quebrou o jejum da reconciliação (cf. Lauck, p. 153).
b. A autoridade gentia
18 Por minha causa sereis levados à presença de governadores e de reis,
para lhes servir de
testemunho, a eles e aos gentios.
Os “governadores” eram naquela
época os procuradores romanos, como Pôncio Pilatos, Félix,
Festo (At 24.25 etc.), enquanto
os “reis” eram em primeiro lugar os herodianos como, p. ex., Herodes
Agripa. Os reis herodianos são
contados como representantes do paganismo, apesar de terem
formalmente adotado o judaísmo.
Como o discípulo de Jesus
representa diante dos procuradores e reis a causa do reino de Deus, ele
é um mártir, que significa
testemunha (cf. o exposto sob cap. 8.4). No cristianismo incipiente, ser
mártir é em primeiro lugar ser
testemunha. Mais tarde a palavra mártir foi usada para aquele que
“testemunhou com o sangue”, ou
seja, que selou com a sua vida a fé no Cristo. Do termo mártys =
testemunha originou-se a palavra
martírio – sofrer por amor a Jesus. O v. 18b diz que os sofrimentos
de perseguição suportados pelos
discípulos devem ser testemunhados diante dos
judeus assim como
diante dos gentios. Já agora se
prenuncia com esse duplo testemunho a palavra
de Paulo em 1Co
1.23: “Nós pregamos a Cristo
crucificado, escândalo para os judeus, loucura (tolice) para os gentios”.
19,20 E, quando vos entregarem, não cuideis em como ou o que haveis de
falar, porque, naquela hora, vos será concedido o que haveis de dizer, visto
que não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós.
Sendo, pois, assim que os
discípulos, apesar de toda cautela, precisam comparecer aos tribunais,
eles podem ficar consolados pelo
apoio do Espírito Santo.
O discípulo não está sozinho
diante de seus juízes terrenos, mas vem acompanhado de um
advogado de direito. Esse
advogado é o Paracleto, o Espírito Santo (cf. Mt 6.25). Àquele que cisma,
temeroso e preocupado, como
deverá falar e o que deverá dizer porque
afinal defende a causa mais
importante e extraordinária e
fala para defender sua vida, a esse Jesus diz: “Não se deixe levar a
desvios, não tente usar
artifícios especiais, não procure por meios auxiliares!”
É significativo que, nas palavras
dos v. 19 e 20, em que o discípulo em perigo de vida confessa o
seu Mestre, Jesus não diga: “Será
o Espírito do meu Pai que falará através
de vocês” mas: “Será o
Espírito do vosso Pai que falará
e testemunhará com vocês”.
Mais uma vez, expressa-se com
clareza a enorme e singular diferença entre Jesus e nós na relação
com o Pai nos céus.
O ódio no convívio com os membros da própria família e sua resposta
21,22 Um irmão entregará à morte outro irmão, e o pai, ao filho; filhos
haverá que se levantarão contra os progenitores e os matarão. Sereis odiados de
todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse
será salvo.
Os sofrimentos com a perseguição
tornam-se cada vez mais intensos. No início falava-se da
perseguição pelos de fora, depois
da perseguição pela autoridade. Agora trata-se, como terceiro
aspecto, da opressão no próprio
círculo familiar. Constitui a maior aflição quando, por parte dos
parentes de sangue, surge o ódio
mortífero, e quando o irmão denunciará à morte o irmão, e o pai ao
filho. E mais: filhos se
rebelarão contra os pais de maneira indigna, lançando os próprios pais à
morte. Surge o quadro retratado
em Mq 7.6. Além da expulsão do povo e da pátria, acompanha os
discípulos a expulsão da comunhão
familiar. “Diante da ardoroso banimento com que o judaísmo
punia os delatores, a declaração
de Jesus retrata com cores especialmente fortes a cruel
impossibilidade de reconciliação
na discórdia. Extirpar a confissão a Jesus impõe -se até mesmo aos
parentes de sangue como o dever
mais sagrado” (cf. Schlatter).
O ápice da perseguição, porém, é
alcançado quando os seguidores e discípulos do Senhor são
odiados por todos, i. é, sem
qualquer exceção. No entanto, todo o ser odiado acontece por amor do
meu nome, conforme o Senhor
declara literalmente.
A resposta a esse ódio de todos
os lados, por parte de todos, das autoridades, dos parentes mais
próximos, não deve ser amargura,
mágoa, indisposição para a reconciliação, falta de amizade e amor,
dureza de coração e frieza, mas
deve mostrar-se na perseverança no amor (o amor ágape) até o fim
(v. 22b). Vale lembrar Mt
5.44-47.
Outra forma de reação a todas
essas perseguições é mostrada no versículo seguinte:
23 Quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fugi para outra; porque
em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel, até
que venha o Filho do Homem.
A outra maneira de reagir é,
portanto, a fuga. Em decorrência, nem sempre a fuga significa
pequena fé ou falta de fé, mas
pode corresponder à exigência de Jesus. Nesse caso a fuga é sabedoria e
cautela. Os discípulos devem fugir da perseguição de uma cidade para outra.
Jesus assegura expressamente que, para essa fuga de uma cidade israelita para
outra cidade israelita, sempre restará aos discípulos, até a volta de Cristo,
ainda um cidade em Israel onde poderão refugiar -se.
De maneira totalmente imprevista
o Senhor fala aqui de sua volta. Como se deve entender essa
palavra? Talvez não haja outra
possibilidade do que ent ender que, aqui como em outras passagens
(16.28; 24.34), o Senhor está
vendo a sua volta para o julgamento como
coincidente com a destruição de Jerusalém. Aliás, o fato de que Mateus reproduz
aqui essas palavras sem estranhá-las e sem dar um esclarecimento é também um
indício de que o evangelho de Mateus foi escrito antes do ano 70.
B. As sete palavras de estímulo
do Senhor para os perseguidos
A 1ª palavra de estímulo: O discípulo não está acima do Mestre
24,25 O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo, acima do
seu senhor. Basta ao
discípulo ser como o seu mestre, e ao servo, como o seu senhor. Se
chamaram Belzebu ao dono
da casa, quanto mais aos seus domésticos?
No exemplo do próprio Senhor
mostra-se ao discípulo a necessidade do sofrimento. O discípulo
não pode superar o seu mestre. O
destino do discípulo é sofrer como o seu Senhor! Ele estava como
ovelha no meio dos lobos. Seus
inimigos o arrastaram de tribunal em tribunal, primeiro perante o
tribunal gentílico (Pilatos),
depois perante o tribunal judaico (Herodes). Seus próprios irmãos
voltaram-se contra ele. Um
apóstolo o traiu e o entregou à morte. –
Mais três vezes encontra-se no NT
a palavra “o discípulo não está
acima de seu mestre”: Jo 15.20; 13.16; Lc 6.40.
Se, na sua maldade, as pessoas
chegaram ao ponto de chamar o próprio Senhor de Belzebu, i. é, de
príncipe dos demônios, então os
discípulos não precisam esperar outra coisa para si. A acusação dos
inimigos, de que Jesus estaria
possesso por Belzebu ou por um demônio, encontra -se em Mc 3.22; Lc
11.15; Jo 7.20. E a acusação de
que ele estaria expulsando os demônios numa aliança com Belzebu
está em Mt 12.24 (cf. Schlatter,
Die Erklärung der Wirksamkeit Jesu…, p. 343).
A expressão domésticos indica que Jesus forma um comunidade doméstica com os seus
discípulos, ou seja, uma família.
No lugar da casa de Israel surge a casa de Jesus, e essa casa passou a ser
“casa de Deus” aqui na terra (cf. as cartas de Paulo).
A 2ª palavra de estímulo: A mensagem agora conhecida somente no
pequeno círculo será um dia proclamada no mundo todo
26,27 Portanto, não os temais; pois nada há encoberto, que não venha a
ser revelado; nem oculto, que não venha a ser conhecido. O que vos digo às
escuras, dizei-o a plena luz; e o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o dos
eirados.
Um dia se manifestará com toda
glória e poder o anúncio do reino dos céus, agora abafado com
violência. É incumbência dos
discípulos pregar do alto dos telhados, quando ele um dia estiver
separado deles, o que o Senhor
lhes falou ao ouvido, ou seja, o que
lhes comunicou no pequeno
círculo de seguidores. A figura
do eirado faz recordar os telhados planos do Oriente, de cima dos
quais se podia facilmente pregar
para um grande multidão.
Talvez também se esteja aludindo
ao seguinte costume: “Do telhado mais alt o da cidade o
empregado da sinagoga costumava
anunciar três vezes, pelo som de trombetas, o início do sábado,
para que as pessoas retornassem
dos campos e fizessem os preparativos do sábado” (cf. St.-B., vol.
1).
Para explicar a expressão o que
se vos diz ao ouvido, seja dito o seguinte: o desaparecimento do
hebraico como língua materna no
judaísmo palestino tornava necessário
transpor as leituras da lei no culto para o vernáculo corrente, que era
o aramaico. Nessa tradução, a regra era que o
palestrante no culto da sinagoga permanecesse sentado. (Daí a expressão,
utilizada também para Jesus: “Quando fechou o livro, entregou-o ao funcionário
e sentou-se”, Lc 4.20.) O intérprete, que traduzia o hebraico para o aramaico,
precisava estar de pé, bem próximo do palestrante, para que ouvisse
claramente as palavras dele. Pois
o palestrante não falava em voz alta, e sim em
tom de sussurro, de
modo que o intérprete precisava
inclinar-se para ele a fim de entendê-lo bem. Aquilo que lhe estava
sendo dito quase ao pé do ouvido,
ele anunciava em voz alta à comunidade reunida, na sua língua
materna (St.-B., p. 185; vol. 4,
p. 1).
A partir dessa situação
entende-se melhor a expressão “o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o
dos telhados”.
A 3ª palavra de estímulo: Na pior das hipóteses pode ser
morto apenas o corpo, não a alma
28 Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei,
antes, aquele que pode
fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo.
Essa palavra de estímulo inicia
com um não temais. É o segundo “não temais”. O primeiro
encontrava-se no v. 26. O
terceiro está no v. 31.
Temer aquele que pode fazer
perecer corpo e alma não é um medo e desespero trêmulos, mas
sim um cuidado reverente para não
entristecer de nenhuma maneira ao santo Deus.
É melhor sofrer
continuamente injustiças do que
praticar injustiça uma única vez, vindo a causar sofrimento ao
Senhor.
A 4ª palavra de estímulo: O Pai nos céus vigia com infinito
e amável cuidado por cada um dos enviados
29-31 Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em
terra sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos
todos da cabeça estão contados. Não temais, pois! Bem mais valeis vós do que
muitos pardais.
A providência amorosa, diária e
constante de Deus vela pela pessoa menor e mais insignificante
deste mundo. De modo palpável e
drástico essa maravilhosa verdade é ilustrada por meio de dois
exemplos: o do pardal e o dos
cabelos da cabeça.
No menor, Deus é o maior.
Conforme Lv 14.4ss, dois pássaros puros, entre os quais eram
contados também os pardais,
constituíam o sacrifício de purificação do leproso. Comprar dois pardais
era algo insignificante. Dois
pardais custavam um assarion. Um
assarion ou “asse” tinha o valor de
alguns centavos. A
insignificância do valor era proverbial.
Aumentando a quantidade, diminuía o
preço. Ou seja, se 2 pardais
custavam 6 centavos, 5 pardais custavam 10 centavos (cf. Lc 12.6). É
marcante que o Senhor estava
informado também sobre as pequenas coisas do dia-a-dia!
Por mais insignificante e sem
valor que seja um pardal, nenhum deles cai da árvore exausto por
fome ou frio sem que Deus não o
saiba e ou não o tenha dirigido assim. Lembramo -nos de Mt 6.26.
“A ação divina determina tudo o
que acontece na natureza, também a duração da vida de um pardal”
(Schlatter).
O segundo exemplo trazido por
Jesus é o dos cabelos. Quanto a vocês, até os cabelos todos da
cabeça estão contados. Portanto,
não tenham medo! Por isso é preciso depositar toda a confiança
no Pai dos céus. O Pai sabe de
tudo, também do mais simples e insignificante, e de maneira total e
integral. Como já foi dito
constantemente em outras passagens, isso não significa que o cristão não
tenha sofrimentos. Entretanto,
temos de reaprender: Não importa o que
venha a nos atingir e
alcançar, tudo procede da mão do
pai. Esse tema ressoa sempre de novo, nos mais diversos
momentos!
A 5ª palavra de estímulo: Quem confessa Jesus apesar das inimizades do
mundo,
a esse também o Senhor confessará na glória perante o Pai celestial.
32,33 Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também
eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus; mas aquele que me negar
diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus.
No v. 19 foi dito que o
consolador e auxiliador é o Espírito Santo, o Paracleto. Aqui o próprio
Jesus é o consolo! Jesus confessa
sua fidelidade para com os discípulos. Também no evangelho de
João o Espírito Santo é o
Paracleto, o auxílio dos discípulos em seu contato com o mundo, e Jesus é
seu advogado diante de Deus, caso
venham a cair em pecado: “Se, todavia, alguém pecar, temos um
paracleto, um advogado junto ao
Pai, Jesus Cristo, o Justo…” (1Jo 2.1).
Para sua comunhão com
Deus, os discípulos fundamentam
sua fé na parúsia = presença de Jesus junto de Deus; para lutar
com o mundo fundamentam-se na
presença do Espírito Santo (diferente de Paulo, Rm 8.20). O
próprio Jesus também fala de um
advogado que ele dá ao discípulo perante o mundo (Mt 28.20b).
A 6ª palavra de estímulo: Jesus, o pacificador, também traz a espada
34-39 Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas
espada. Pois vim causar
divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora
e sua sogra. Assim, os
inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua
mãe mais do que a
mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a
mim não é digno de
mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim. Quem
acha a sua vida
perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á.
Com base em Is 9.6 e muitas
outras referências do AT, o Messias também é chamado de príncipe
da paz. A mensagem dos anjos na
noite de Natal em Belém também anunciava “paz”. No sermão do
Monte os discípulos são
proclamados felizes por serem promotores e portadores da paz. A toda
pessoa que adere a Jesus, o
Senhor quer “dar a paz, paz verdadeira e real, que o mundo não conhec e”
(Jo 14.27). Essas afirmações
sucedem-se por todo o NT. A palavra “paz” encontra-se no NT em torno
de 100 vezes. Como é possível,
porém, que agora de repente Jesus não pronuncia mais a palavra
“paz”, mas “espada”? Não vim
trazer paz, mas a espada. Como devemos compreender essa
afirmação? Ela deve ser entendida
de tal maneira que somente alcança essa paz, que é maior que todo
entendimento, aquele que está
numa luta inexorável contra si próprio.
Ademais, quando o Senhor fala da
espada, ele não quer dar a entender que o discípulo agora tem
de tomar a espada, mas que é o
inimigo que usa a espada. Ele quer exterminar o cristianismo. – A
luta até os extremos é a
conseqüência natural e necessária da atuação de Jesus. A “mensagem da paz”
ataca o homem natural.
Considerando que o inaugurador da paz, Jesus Cristo, ataca sem cessar a
orgulhosa fortaleza do eu, que
não tem paz, entendemos que o Senhor não se esquiva da luta, mas a
inclui no seu envio. O inimigo
usará a espada “contra o Senhor e seu Ungido” (Sl 2.2). “A convicção
de que a luta em que a comunidade
de Jesus está sendo envolvida é prevista e provocada pelo próprio
Jesus ajudou os discípulos a
sofrer com calma e disposição e a aceitar com alegria, quando exigida, a
própria morte. E todas as
palavras de encorajamento do cap. 10 têm o mesmo tom, a saber, como se
deve ir ao encontro da espada do
inimigo.”
Mais uma vez a luta de
perseguição é descrita até a discórdia na família. A nova geração se
levantará contra a velha, o filho
contra o pai, a nora contra a sog ra. Por amor a Jesus os velhos serão
oprimidos pelos jovens. Em Lc
12.52 lê-se: “Estarão cinco divididos numa casa: três contra dois, e
dois contra três”.
Quando em tais perseguições
alguém coloca em segundo lugar o amor ao Senhor, não será digno
de fazer parte dos discípulos do
Senhor. A adesão a Jesus anula qualquer outro vínculo (cf. o
seríssimo acontecimento em 8.22).
Quem ama mais o pai ou a mãe… e
além deles o filho ou a filha (Lucas tem uma versão mais
severa e inclui os irmãos e
especialmente a própria esposa), esse não é digno do Senhor Jesus.
À pesada exigência de romper os
laços de sangue quando estes se opõem a que o discípulo siga o
Mestre, o Salvador acrescenta a
advertência aos discípulos de assumirem espontaneamente a cruz na
qual ele está pronto para morrer,
de o seguirem carregando a cruz e morrendo nela. Considerando
que nessas palavras Jesus
apresentou sua própria vida como exemplo, então temos nelas uma
profecia.
A dura metáfora de seguir a Jesus
“carregando a cruz e morrendo nela” visa ser uma clara
ilustração da plena decisão com
que o discípulo precisa deixar tudo atrás de si, renunciando não
apenas às amizades do mundo e da
família, mas também largando, se assim for exigido, a profissão
apostólica e aceitando
alegremente morrer pelo Mestre.
A palavra freqüente nos
evangelhos sobre “tomar a sua cruz” (cf. Mt 16.24; Lc 9.23; 14.27), bem
como a palavra de “perder e achar
a alma” (cf. Mc 8.35 com Mt 16.25 e Lc 9.24; Lc 17.33 e Jo
12.25), requerem uma entrega
integral e total ao Senhor.
A exigência de Jesus pelo empenho
total, diário e constante do discípulo em favor de seu Senhor,
sim até a morte na cruz, é
primeiramente a vontade e o caminho
específicos do Senhor. A exigência
da entrega total não apenas é
“imposta” aos discípulos, mas ela é cumprida pelo próprio Senhor.
“Seu próprio agir é uma caminhada
para a morte, e ele a faz com determinação perfeita. Mas esta se
baseia sobre sua certeza de
vencer a morte. Também para os seus discípulos ele faz do compromisso
de morrerem uma promessa de vida.
Desse modo fica claro por que Jesus não deduz para si próprio,
dessa visão do futuro, que se
pode desistir de agir, abandonar o judaísmo, silenciar, mas por que ele
persevera firme no seu caminho.
Pois também para ele, perder a alma é ganhá-la, e morrer na cruz é
ingressar na vida” (Schlatter,
Matthäus, p. 351).
A 7ª palavra de estímulo: Uma palavra de promessa que conscientiza o
discípulo de que ele traz aos que o recebem o mais importante, a saber, o
próprio Deus.
40-42 Quem vos recebe a mim me recebe; e quem me recebe recebe aquele
que me enviou. Quem recebe um profeta, no caráter de profeta, receberá o
galardão de profeta; quem recebe um justo, no caráter de justo, receberá o
galardão de justo. E quem der a beber, ainda que seja um copo de água fria, a
um destes pequeninos, por ser este meu discípulo, em verdade vos digo que de
modo algum perderá o seu galardão.
Ao trabalho do apóstolo é
concedido o dom mais magnífico. Pelo fato de o apóstolo chegar às
pessoas, abre-se-lhes a
possibilidade de acolherem Jesus e, recebendo Jesus, a pessoa aceita o próprio
Deus. Não existe dom maior nem no
céu nem na terra. Pois está em jogo Deus pessoalmente.
Receber o Cristo é unificação com
Deus, é hospedar a Deus.
Jesus não está incentivando os
fiéis a acolherem amigavelmente os apóstolos, pois o discurso
dirige-se unicamente aos
apóstolos. Antes, ele quer fortalecer a coragem de seus seguidores. Eles
devem saber o quanto valem aos
olhos de Deus. De fato, Jesus considera a acolhida que se faz aos
apóstolos como um benefício
realizado a ele próprio, e mesmo a Deus. O Senhor tem em mente não
somente a acolhida hospitaleira
(cf. v. 41, oferecer um copo de água fria), mas também a aceitação
da sua pregação.
Quem acolhe um profeta por causa
de suas dádivas espirituais, recebe a recompensa de um
profeta. Quem acolhe um justo por
causa de sua justiça, recebe a recompensa de um justo. Quem
aceita com fé a palavra desses
profetas e defende sua causa justa, recebe a mesma recompensa que os próprios profetas e justos. Torna-se
participante da eterna bênção gloriosa dos apóstolos (3Jo 8). Os discípulos é
que são “esses pequeninos”, pelo que se expressa não a sua humildade nem mesmo
sua condição miserável, e sim sua posição inferior diante dos grandes,
poderosos e famosos desse mundo (a quem todos querem prestar uma gentileza).
Contudo, justamente sobre essas pessoas desprezadas pelo mundo repousa a
benevolência de Deus e seu olhar providencial.
Em 11.1 o evangelista anuncia o
final de seu discurso de envio, à semelhança do que fizera no
sermão da Montanha. Contudo, aqui
deixa de comunicar a impressão que o discurso causou, nem
menciona algo de que teriam
iniciado a caminhada ou teriam retornado (cf. Mc 6.30; Lc 10.7). Ele
está mais motivado a comunicar ao
leitor o fato surpreendente de que, depois de ter dado aos
apóstolos suas instruções,
retomou sua atividade em outras localidades (da Galiléia). O Messias não
enviou os doze para que ele, por sua
vez, pudesse descansar. Antes, queria multiplicar sua atividade
pela convocação de novas forças
de trabalho. As palavras finais dessa seção, que lembram Mt 4.23;
9.35, permitem reconhecer que
agora está sendo executado o programa de vida do Messias de acordo com os
contornos esboçados em Mt 4.12ss. A virada que inicia em 11.2ss, a contradição
e oposição ao Messias, liga-se de novo com o nome do Batista (cf, porém,
14.1ss).
3. Encerramento do discurso de envio do cap. 10, 11.1
Ora, tendo acabado Jesus de dar estas instruções a seus doze
discípulos, partiu dali a
ensinar e a pregar nas cidades deles.
O presente versículo encerra o
cap. 10, assim como 9.36-38 constituiu a introdução a todo esse
trecho.
No cap. 10 Jesus deu a seus
discípulos a incumbência e a autoridade missionárias. Agora ele
próprio as cumpre. Ele visava
reforçar o testemunho missionário dos discípulos através de sua
própria instrução, mediante o
ensino e a pregação, porque veio “para ensinar e pregar” (cf. o exposto
sobre “ensinar e pregar” em
4.23-25). Também o nosso testemunho e serviço aos seres humanos deve vir
acompanhado de todo o nosso zelo e empenho. O sangue de nosso coração precisa
pulsar por tudo. Somente então o Senhor ainda hoje se inclina e confirma o
nosso serviço. A expressão nas
cidades deles significa que Jesus
seguiu os discípulos àqueles lugares em que tinham trabalhado.
Fonte:
Mateus - Comentário Esperança
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